Já falei aqui da influência do acaso em tudo o que fazemos e no que a vida faz da gente.
Observei que, no amor como na arte, ele influi decisivamente, mas,
apesar disso, para que não pensem que vejo a vida como um mero jogo de
acasos, sobre o qual não exerceríamos qualquer influência, afirmo que,
na maioria das vezes, o acaso é neutralizado ou aceito pela nossa
necessidade, ou seja, o acaso não é tudo.
Até na poesia é assim: se é verdade que a primeira palavra que escrevo
na página em branco surge, às vezes, sem que eu saiba por que, ela já
determina a segunda palavra, a terceira e, assim, à medida que o poema
ganha corpo e sentido, só entra nele a palavra necessária. No fundo, o
que fazemos quase todo o tempo é transformar o casual em necessário.
Pois bem, outro dia percebi que o mesmo --ou quase o mesmo-- ocorre nos
esportes, onde o fator casual é, sem dúvida, decisivo. Pense só nisto: o
tiro de escanteio, num jogo de futebol. Quantos jogadores dos dois
times estão dentro da área? Sete? Oito? Dez? Como saber na cabeça de
qual deles a bola cairá?
Se for na cabeça de um jogador do time que bate a falta, pode ser gol;
se for na cabeça de alguém do outro time, o gol pode ser evitado. O fato
é que o grau de imprevisibilidade, nestes casos, é enorme.
Por isso, o escanteio é um dos momentos mais críticos de qualquer
partida de futebol, uma vez que é quando há menos possibilidade de
controlar o acaso.
Claro, o escanteio é um exemplo extremo, mas, durante todo o jogo, 11
contra 11, é impossível prever tudo o que pode ocorrer. A verdade,
porém, é que quem der menos chance ao azar, isto é, ao acaso, ganhará a
partida.
No tênis, numa partida individual, o acaso terá, sem dúvida, menos
chance, embora a coisa não seja tão simples como pode parecer; é que, se
aqui a ação dos jogadores é mais previsível do que no futebol, com
tanta gente atuando, em compensação, por serem apenas dois os tenistas,
têm menos controle sobre os fatores de espaço e tempo implicados em cada
lance. Ainda assim, o controle sobre a probabilidade é maior.
Caso bastante especial é o do vôlei, quando duas equipes de seis
jogadores disputam o controle sobre uma bola num campo dividido por uma
rede.
Por suas características, parece que o vôlei é o esporte em que se tem
maior possibilidade de neutralizar o acaso, ou seja, a probabilidade.
Advirto o leitor que estou pensando essas coisas, agora, pela primeira
vez. Estou "sacando" quase como um jogador de vôlei e espero confirmar o
meu saque.
Se estou pensando certo, o vôlei, de todos esses esportes, parece ser
aquele em que o técnico melhor consegue anular consideravelmente o
incontrolável e, consequentemente, a ação do adversário. Isso se deve,
creio eu, às características desse esporte e fundamentalmente ao fato de
estar a quadra, que não é muito grande, dividida por uma rede.
Como os jogadores têm de passar a bola por cima dela, isso possibilita
bloquear-lhes a ação e evitar que a bola caia do lado de cá da quadra. O
bloqueio é, por isso mesmo, um recurso decisivo e, consequentemente, a
cortada, que procura superá-lo e fazer o ponto.
Nisso tudo, o técnico tem papel fundamental, bem mais que, por exemplo,
no futebol, cujo campo é grande demais, tornando imprevisível o
deslocamento dos jogadores adversários.
O tamanho do campo, combinado com o número de jogadores em ação, influi
decisivamente na impossibilidade de o técnico prever como o adversário
se comportará e, por isso mesmo, como deve ele orientar os jogadores de
seu time para chegarem ao gol, evitando, ao mesmo tempo, que o outro o
consiga antes ou mais vezes.
A influência desses fatores é determinante e de tal modo que, em função
dela, por exemplo, enquanto no tênis o saque favorece a quem saca, no
vôlei é o contrário: quem saca mais provavelmente perde o ponto.
Em face de todas essas "sacações", concluo afirmando que, nesses
diversos esportes, a função do técnico é tornar a ação dos jogadores
inteiramente previsível, do seu e do time adversário, ou seja, anular o
acaso. Mas isso nem Deus consegue.
Ferreira Gullar é cronista, crítico de arte e poeta. Escreve aos domingos na versão impressa de "Ilustrada".
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sexta-feira, 15 de março de 2013
O acaso e o jogo
Já falei aqui da influência do acaso em tudo o que fazemos e no que a vida faz da gente.
Observei que, no amor como na arte, ele influi decisivamente, mas, apesar disso, para que não pensem que vejo a vida como um mero jogo de acasos, sobre o qual não exerceríamos qualquer influência, afirmo que, na maioria das vezes, o acaso é neutralizado ou aceito pela nossa necessidade, ou seja, o acaso não é tudo.
Até na poesia é assim: se é verdade que a primeira palavra que escrevo na página em branco surge, às vezes, sem que eu saiba por que, ela já determina a segunda palavra, a terceira e, assim, à medida que o poema ganha corpo e sentido, só entra nele a palavra necessária. No fundo, o que fazemos quase todo o tempo é transformar o casual em necessário.
Pois bem, outro dia percebi que o mesmo --ou quase o mesmo-- ocorre nos esportes, onde o fator casual é, sem dúvida, decisivo. Pense só nisto: o tiro de escanteio, num jogo de futebol. Quantos jogadores dos dois times estão dentro da área? Sete? Oito? Dez? Como saber na cabeça de qual deles a bola cairá?
Se for na cabeça de um jogador do time que bate a falta, pode ser gol; se for na cabeça de alguém do outro time, o gol pode ser evitado. O fato é que o grau de imprevisibilidade, nestes casos, é enorme.
Por isso, o escanteio é um dos momentos mais críticos de qualquer partida de futebol, uma vez que é quando há menos possibilidade de controlar o acaso.
Claro, o escanteio é um exemplo extremo, mas, durante todo o jogo, 11 contra 11, é impossível prever tudo o que pode ocorrer. A verdade, porém, é que quem der menos chance ao azar, isto é, ao acaso, ganhará a partida.
No tênis, numa partida individual, o acaso terá, sem dúvida, menos chance, embora a coisa não seja tão simples como pode parecer; é que, se aqui a ação dos jogadores é mais previsível do que no futebol, com tanta gente atuando, em compensação, por serem apenas dois os tenistas, têm menos controle sobre os fatores de espaço e tempo implicados em cada lance. Ainda assim, o controle sobre a probabilidade é maior.
Caso bastante especial é o do vôlei, quando duas equipes de seis jogadores disputam o controle sobre uma bola num campo dividido por uma rede.
Por suas características, parece que o vôlei é o esporte em que se tem maior possibilidade de neutralizar o acaso, ou seja, a probabilidade.
Advirto o leitor que estou pensando essas coisas, agora, pela primeira vez. Estou "sacando" quase como um jogador de vôlei e espero confirmar o meu saque.
Se estou pensando certo, o vôlei, de todos esses esportes, parece ser aquele em que o técnico melhor consegue anular consideravelmente o incontrolável e, consequentemente, a ação do adversário. Isso se deve, creio eu, às características desse esporte e fundamentalmente ao fato de estar a quadra, que não é muito grande, dividida por uma rede.
Como os jogadores têm de passar a bola por cima dela, isso possibilita bloquear-lhes a ação e evitar que a bola caia do lado de cá da quadra. O bloqueio é, por isso mesmo, um recurso decisivo e, consequentemente, a cortada, que procura superá-lo e fazer o ponto.
Nisso tudo, o técnico tem papel fundamental, bem mais que, por exemplo, no futebol, cujo campo é grande demais, tornando imprevisível o deslocamento dos jogadores adversários.
O tamanho do campo, combinado com o número de jogadores em ação, influi decisivamente na impossibilidade de o técnico prever como o adversário se comportará e, por isso mesmo, como deve ele orientar os jogadores de seu time para chegarem ao gol, evitando, ao mesmo tempo, que o outro o consiga antes ou mais vezes.
A influência desses fatores é determinante e de tal modo que, em função dela, por exemplo, enquanto no tênis o saque favorece a quem saca, no vôlei é o contrário: quem saca mais provavelmente perde o ponto.
Em face de todas essas "sacações", concluo afirmando que, nesses diversos esportes, a função do técnico é tornar a ação dos jogadores inteiramente previsível, do seu e do time adversário, ou seja, anular o acaso. Mas isso nem Deus consegue.
Ferreira Gullar é cronista, crítico de arte e poeta. Escreve aos domingos na versão impressa de "Ilustrada".
Observei que, no amor como na arte, ele influi decisivamente, mas, apesar disso, para que não pensem que vejo a vida como um mero jogo de acasos, sobre o qual não exerceríamos qualquer influência, afirmo que, na maioria das vezes, o acaso é neutralizado ou aceito pela nossa necessidade, ou seja, o acaso não é tudo.
Até na poesia é assim: se é verdade que a primeira palavra que escrevo na página em branco surge, às vezes, sem que eu saiba por que, ela já determina a segunda palavra, a terceira e, assim, à medida que o poema ganha corpo e sentido, só entra nele a palavra necessária. No fundo, o que fazemos quase todo o tempo é transformar o casual em necessário.
Pois bem, outro dia percebi que o mesmo --ou quase o mesmo-- ocorre nos esportes, onde o fator casual é, sem dúvida, decisivo. Pense só nisto: o tiro de escanteio, num jogo de futebol. Quantos jogadores dos dois times estão dentro da área? Sete? Oito? Dez? Como saber na cabeça de qual deles a bola cairá?
Se for na cabeça de um jogador do time que bate a falta, pode ser gol; se for na cabeça de alguém do outro time, o gol pode ser evitado. O fato é que o grau de imprevisibilidade, nestes casos, é enorme.
Por isso, o escanteio é um dos momentos mais críticos de qualquer partida de futebol, uma vez que é quando há menos possibilidade de controlar o acaso.
Claro, o escanteio é um exemplo extremo, mas, durante todo o jogo, 11 contra 11, é impossível prever tudo o que pode ocorrer. A verdade, porém, é que quem der menos chance ao azar, isto é, ao acaso, ganhará a partida.
No tênis, numa partida individual, o acaso terá, sem dúvida, menos chance, embora a coisa não seja tão simples como pode parecer; é que, se aqui a ação dos jogadores é mais previsível do que no futebol, com tanta gente atuando, em compensação, por serem apenas dois os tenistas, têm menos controle sobre os fatores de espaço e tempo implicados em cada lance. Ainda assim, o controle sobre a probabilidade é maior.
Caso bastante especial é o do vôlei, quando duas equipes de seis jogadores disputam o controle sobre uma bola num campo dividido por uma rede.
Por suas características, parece que o vôlei é o esporte em que se tem maior possibilidade de neutralizar o acaso, ou seja, a probabilidade.
Advirto o leitor que estou pensando essas coisas, agora, pela primeira vez. Estou "sacando" quase como um jogador de vôlei e espero confirmar o meu saque.
Se estou pensando certo, o vôlei, de todos esses esportes, parece ser aquele em que o técnico melhor consegue anular consideravelmente o incontrolável e, consequentemente, a ação do adversário. Isso se deve, creio eu, às características desse esporte e fundamentalmente ao fato de estar a quadra, que não é muito grande, dividida por uma rede.
Como os jogadores têm de passar a bola por cima dela, isso possibilita bloquear-lhes a ação e evitar que a bola caia do lado de cá da quadra. O bloqueio é, por isso mesmo, um recurso decisivo e, consequentemente, a cortada, que procura superá-lo e fazer o ponto.
Nisso tudo, o técnico tem papel fundamental, bem mais que, por exemplo, no futebol, cujo campo é grande demais, tornando imprevisível o deslocamento dos jogadores adversários.
O tamanho do campo, combinado com o número de jogadores em ação, influi decisivamente na impossibilidade de o técnico prever como o adversário se comportará e, por isso mesmo, como deve ele orientar os jogadores de seu time para chegarem ao gol, evitando, ao mesmo tempo, que o outro o consiga antes ou mais vezes.
A influência desses fatores é determinante e de tal modo que, em função dela, por exemplo, enquanto no tênis o saque favorece a quem saca, no vôlei é o contrário: quem saca mais provavelmente perde o ponto.
Em face de todas essas "sacações", concluo afirmando que, nesses diversos esportes, a função do técnico é tornar a ação dos jogadores inteiramente previsível, do seu e do time adversário, ou seja, anular o acaso. Mas isso nem Deus consegue.
Ferreira Gullar é cronista, crítico de arte e poeta. Escreve aos domingos na versão impressa de "Ilustrada".
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