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domingo, 16 de fevereiro de 2014

AULA NÃO PRECISA SER SHOW



(Cena do filme Sociedade dos Poetas Mortos)
Às vezes até mesmo nós, na condição de professores, somos tomados pelo embalo do momento em que a Educação se deixa virar facilmente para cultura do espetáculo. Uma cultura que imputa e dita suas regras em virtude do sistema econômico capitalista que, entre outras coisas, transforma o educador num animador de auditório e o estudante num cliente. Infelizmente, estamos sendo quase que forçados a abraçar uma causa da Educação voltada para o “vale tudo” desde que o estudante não saia da Escola ou da Universidade.
Estamos relativizando demais os critérios da aprendizagem. E isso se deve ao fato de aceitarmos exigências profissionais vindas de um sistema falido, sem compromisso com a Educação e submetido a quaisquer negócios de ordem financeira. Daí paira sobre nós esse discurso ideológico do sistema espetacular.
Que discurso é esse? É um discurso que prima por uma Educação sem reflexão, valorizando inúmeros estímulos como produtos da tecnologia e dos meios de comunicação de massa. Possibilita a descentralização da capacidade cognitiva do estudante, como também a incapacidade de concentração em atividades que demandam tempo de análise e capacidade reflexiva. “O tempo espetacular exige que a consciência se fragmente, de modo a captar a maior quantidade de percepções possíveis” (NUNES-BITTENCOURT, Renato. Educação sem reflexão no sistema espetacular. Conhecimento Prático. Filosofia, São Paulo, ano 7, ed. 46, p. 66, dez 2013/jan 2014).
O artigo de Renato Nunes-Bittencourt vai mais além nessa questão e realça, segundo ele, “os sintomas desse mal-estar cultural”. Repare: “Na conjuntura educacional contemporânea, um dos sintomas mais evidentes desse mal-estar cultural reside na transformação do professor em um animador de auditório, ocorrendo assim a obrigação profissional de entreter o alunado com uma dinâmica imbecilizante, de modo a tratar sua turma como pessoas que se recusam a sair do estado de menoridade existencial” (idem).
Não podemos tratar nossos estudantes como clientes, mercadorias, cujo preço é o atendimento imediato de seus caprichos. Porém, é com respeito, apostando em suas potencialidades e faculdades para aprender que merecem ser tratados. Eles precisam sair da condição de meros espectadores das aulas e assumirem a posição de sujeitos autônomos, críticos à altura de qualquer desafio. Quem sabe até pudéssemos incitá-los ao diálogo para ultrapassarem a dimensão do espetáculo na sociedade e na sala de aula.
A respeito disso evoco aqui um episódio curioso sobre a vida de Platão mencionado nas Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres de Diógenes Laértios, onde traz o encontro dramático de Sócrates e Platão no contexto das Tragédias. Acostumado a frequentar o teatro e as festas dionisíacas, justamente no instante em que ia participar de um concurso de tragédias, Platão, ao ouvir aquele homem e seus argumentos de mestre, passa a segui-lo e joga seus poemas às chamas.
Veja que Platão ultrapassa sua condição de amante de espetáculos para se transformar em amante de espetáculos da verdade. No livro V da República, Platão escreve um diálogo importante entre Gláuco e Sócrates mostrando a distinção entre os que são apenas amantes de espetáculos e os que são amantes de espetáculos da verdade. Os verdadeiros estudantes, para Platão, devem ser filósofos. “Mas aquele que deseja saborear toda a ciência, que se entrega alegremente ao estudo e nele se revela insaciável, a esse chamaremos, com razão, de filósofo, não é assim?” Pergunta ironicamente Sócrates a Gláuco.   
Os efeitos do sistema espetacular na Educação já se fazem sentir quando as aulas se tornam apenas mecanismo de animação, dinamização e sensacionalismo emocional, uma vez que só existem para prender a atenção e atender ao gosto da maioria (clientela). Ora, não estamos num palco ou num circo, muito menos num programa de “reality show”. A Aula não precisa ser um “show” para realizar o ensino e a aprendizagem. Aulas são feitas de provocação (problematização), trabalho, diálogo, investigação (pesquisa), conteúdo, muita leitura e reflexão. Quem se dispõe a ir à aula, deveria ir como se fosse ao trabalho. Só que é um trabalho diferente, um trabalho intelectual. Mas se chegar a um “show” ou se estiver assistindo a um espetáculo numa aula, queira ir mais adiante, assuma o controle, ultrapasse.
Segundo Libâneo, a aula “[...] não se aplica somente à aula expositiva, mas a todas as formas didáticas organizadas e dirigidas direta ou indiretamente pelo professor, tendo em vista realizar o ensino e a aprendizagem. [..] ela é toda situação didática na qual se põem objetivos, conhecimentos, problemas, desafios, com fins instrutivos e formativos, que incitam as crianças e jovens a aprender”(LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 28º Ed. São Paulo: Cortez, 2008. p.178).
    
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel. em Teologia, Bel. e Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica, Esp. em Estudos Clássicos.


Não há tempo bom!

Ainda assim, precisamos de bons tempos políticos!

Sartre e Simone, um romance que ainda rende especulações...

A rigor, os casos extraconjugais dos filósofos Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Simone de Beauvoir (1908-1986) são por demais conhecidos para surpreender seus leitores. Felizmente, para esses, a biógrafa e historiadora escocesa Carole Seymour-Jones reserva outras revelações capazes de chocar ainda mais que a hiperatividade sexual da dupla, além de oferecer uma ousada análise da “necessidade simbiótica de Beauvoir e Sartre um pelo outro”, firmada num pacto que durou meio século e passou como um trator sobre os amantes do casal. Carole Seymour-Jones foi atrás de alguns deles, que sobreviveram à crueldade dos dois pensadores franceses, comparados pela biógrafa aos personagens centrais do romance de Chordelos de Laclos, As Ligações Perigosas, a marquesa De Merteuil e o visconde de Valmont, dois pérfidos aristocratas que usam e humilham seus amantes. Tanto que batizou seu livro de Uma Relação Perigosa, que chega às livrarias no dia 17.
A exemplo da dupla do romance epistolar do século 18, Sartre e Simone de Beauvoir manipulavam suas conquistas e ainda usavam as vítimas como personagens em seus livros. Foi assim que uma jovem aluna de 17 anos, Olga Kosackiewicz, vinda da Rússia, acabou inspirando o primeiro romance de Simone de Beauvoir, A Convidada (1943). Sem pretender ser original, ela conta no livro a relação de dois intelectuais, abalada pela formação de um triângulo amoroso com uma estudante. Dois anos depois Olga migrou para uma das mais conhecidas obras de Sartre, A Idade da Razão (1945), em que um professor de filosofia deve bancar o aborto de sua amante, pretexto para Sartre discutir conceitos como liberdade e existencialismo.

Garoto feio. Deslumbrada com a professora progressista, cheia de ideias libertárias – posteriormente exploradas no clássico O Segundo Sexo (1949) –, Olga caiu na rede de Simone, pulando de sua cama para a de Sartre. Esse esquema, de seduzir as alunas para o companheiro (os dois não moravam juntos), foi repetido inúmeras vezes, mas Olga acabou levando o filósofo à loucura. Essa obsessão despertou ciúme na companheira. Contudo, o padrão de relacionamento aberto continuou. Sartre se considerava feio demais para caçar sozinho suas presas. Quando pequeno, sua mãe tentava disfarçar o estrabismo do filho deixando crescer seus cachos loiros, até que o avô, cansado de ver o neto ser confundido com uma menina, levou-o ao barbeiro.

Albert Camus, que pretendia escrever uma enciclopédia de ética com Sartre, até ousou criticar a ação predatória do promíscuo amigo (com quem rompeu em 1952 por divergências políticas). Recebeu como resposta do filósofo um rosto marcado pela feiura e uma pergunta de volta: “Você já deu uma olhada na minha cara?”. Sartre era um Cyrano em busca de uma Roxane virgem para compensar o aleijão. A biógrafa, para quem o físico de Sartre determinou sua conduta, revela uma carta em que Sartre admite ser um “canalha desprezível”, um “funcionário público sádico e nojento”. Camus, ao contrário, era bonitão e namorava mulheres lindas (como as atrizes Catherine Sellers e Maria Casarès). Além disso, era melhor romancista que Sartre, um homem de ação comprometido com a Resistência. Sartre viu nele o combatente que aspirava ser, segundo a biógrafa. Camus não pegou em armas, mas arriscou a vida, escrevendo contra os nazistas, enquanto Sartre bebia com os oficiais alemães, de acordo com Carole Seymour-Jones.

O período da Ocupação alemã é o ponto nevrálgico da biografia de Sartre e Simone de Beauvoir. Ambos continuaram a viver confortavelmente em Paris durante o período em que os alemães desfilavam suas fardas e arrogância pela capital francesa. Sartre comprava comida no mercado negro e não hesitou em tomar o posto de um professor judeu no Liceu Condorcet, Henri Dreyfus Lefoyer (sobrinho-neto do famoso capitão Alfred Dreyfus), destituído do cargo durante a Ocupação. A biógrafa não o acusa de frequentar os salões dos nazistas, mas lembra que existiam outras escolhas a fazer. E, como para reafirmar o compromisso de Sartre com a própria obra, ela cita a noite de 3 de junho de 1943, quando inúmeros nazistas uniformizados brindaram ao sucesso da peça As Moscas, de Sartre, no teatro de Charles Dullin, considerado “deutschfreundlich” (amigável) pelos alemães. Marc Bénard, que esteve preso com o filósofo, reconheceu Sartre retribuindo os brindes dos alemães. Ele mesmo enviou o texto da peça aos censores nazistas, garantindo não existir “nada antigermânico” nela.

Político. A biógrafa usa a relação de amizade de Camus e Sartre para mostrar justamente que entre os dois era impossível estabelecer um vínculo frouxo como o do filósofo com os alemães ou suas amantes. Era tudo ou nada. Camus não foi um teórico, mas um ativista político bastante crítico em relação aos crimes de Stalin. Sartre, neutro sobre Vichy, também silenciou sobre a ditadura soviética mesmo quando o mundo já conhecia a história dos dissidentes russos, permanecendo um apologista do regime comunista. Se, ao tomar o lugar de Dreyfus durante a Ocupação, ainda que temporariamente, ele tirou proveito das leis raciais de Vichy, que proibiam professores judeus de lecionar – mesmo não precisando do emprego –, ao defender a indefensável ditadura do proletariado, Sartre admitiu que Camus foi o verdadeiro combatente da Resistência.

O que sobra do mito é pouco, depois da demolição conjunta de Sartre e Simone. Carole Seymour-Jones insinua que o romance do filósofo com uma agente da KGB, Lena Zorin, foi mais que um caso passageiro. Foi, segundo ela, a submissão final de um homem de natureza servil ao regime soviético. Raymond Aron, colega de Sartre, dizia que Sartre e Simone eram a “Resistência do Café de Flore”, o que equivale, no Brasil, a classificar a dupla de esquerda festiva.

Pode ser que Aron tenha exagerado, mas, voltando à cama de Sartre, a biógrafa faz uma lista trágica do destino de suas amantes, arregimentadas pela companheira: uma se matou, outra virou viciada e uma outra ficou tão traumatizada que até a fria professora sentiu culpa. A biógrafa assume ter ficado “perplexa com a profundidade do abismo entre a lenda pública e as vidas privadas do casal”. Mas esclarece que sua admiração – tanto por Sartre como por Beauvoir – não sofreu desgaste. Difícil acreditar.


Os Amantes de Simone

Nelson
O escritor americano Nelson Algren (1909-1981) tem um lugar especial na vida sexual da filósofa. Ela o conheceu em sua viagem aos EUA, em 1947. Boêmio, fez com ela a ronda dos bares de Chicago e presenteou a amante com um anel mexicano que ela usou pelo resto da vida. Rude, ele era a “virilidade encarnada”, segundo Simone. Algren a chamava de “rãzinha tagarela”. Ela o apelidou de “doce crocodilo”.

Claude
O diretor do documentário Shoah, Claude Lanzmann, fez o elogio fúnebre de Simone. De sua mesa, num restaurante de Saint-Tropez, o cineasta ouvia a amante contar a Sartre tudo o que fazia com ele durante o dia (Simone falava alto). À noite, ela revelava a ele o que contava a Sartre. O diretor devolveu a juventude a Beauvoir, diz a biógrafa. Seus ataques de ansiedade desapareceram milagrosamente.

Bianca
A escritora Bianca Bienenfeld (1921-2011) é citada por Simone de Beauvoir em Memórias de Uma Moça Bem-comportada. Sua aluna formou um triângulo amoroso com Sartre e Simone, que a descartou por sua “frigidez”, comparando-a a um foie gras – “de qualidade ruim, ainda por cima”. Sua aversão física por Bianca chegou a tal ponto que, numa carta a Sartre, ela descreve o odor do corpo da amante como “fecal”. Bianca, entrevistada pela biógrafa, não conseguiu esquecer as “frases horríveis” de Simone 60 anos depois.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/arte-e-lazer,biografia-compara-sartre-e-simone-de-beauvoir-aos-amantes-crueis-de-laclos,1128691,0.htm

"Conhece-te a ti mesmo, mas não fique íntimo" de Luis Fernando Veríssimo

A escrita nasceu da necessidade de não esquecer. O primeiro hominídeo que pensou "preciso me lembrar disto" deve ter olhado em volta e procurado alguma coisa que ele não sabia o que era. Era lápis e papel, que ainda não tinham sido inventados. A angústia primordial da humanidade foi a de perder o pensamento fugidio. Imagine quantas boas ideias não desapareceram para sempre por falta de algo que as retivesse na memória e no mundo. A história da civilização teria sido outra se, antes de inventar a roda, o homem tivesse inventado a Bic e o bloco de notas.
*
As espécies que não desenvolveram a escrita se valem da memória instintiva. O salmão sabe o caminho do lugar onde nasceu sem consultar um parente ou um mapa. Já o homem pode ser definido como o animal que precisa consultar as suas notas. Nas sociedades não letradas as lembranças sobrevivem na recitação familiar e nos mitos tribais, que são a memória ritualizada. Todas as outras dependem do memorando. Mas mesmo com todas as formas de anotações inventadas pelo homem desde o tempo das cavernas, inclusive, hoje, o "notebook" eletrônico, a angústia persiste.
*
O que está aí em cima é o resumo de um texto que escrevi há anos, depois de ter uma ideia para crônica, confiar que bastaria anotar uma frase para me lembrar da ideia - e imediatamente esquecê-la. Eu já havia desistido de ter um bloco de notas sempre à mão para o caso de sonhar com uma boa ideia ou ter um lampejo criativo, porque minha experiência era que nenhuma ideia sonhada resiste à luz do dia e os lampejos aproveitáveis aconteciam invariavelmente no chuveiro. Mas desta vez o lampejo foi num lugar seco e anotei a frase: "Conhece-te a ti mesmo, mas não fique íntimo". Boa, boa. Só que quando sentei para escrever a crônica a frase tinha perdido o sentido. Não me ajudava a me lembrar de nada. E não me lembrou de nada até agora, quando, por acaso, a vi escrita num bloco de notas antigo e finalmente me entendi.
*
O que eu quis dizer, eu acho, é que é positivo e saudável o ser humano se conhecer, desvendar todo os seus mistérios e exorcizar todas as suas culpas, com ou sem orientação cientifica ou religiosa. Ou será que é mesmo? Talvez o conselho mais prático e racional seja se conhecer, sim, mas evitar muita intimidade com esse ser que atende pelo nosso nome, tem os mesmos pais e o mesmo CPF, torce pelo mesmo time e nos levará junto quando morrer. Como em qualquer relacionamento humano, nas nossas relações com nós mesmos deve haver um certo recato, e cuidado para evitar mal-entendidos. Familiaridade demais pode gerar desprezo e revolta. Quem sabe o que nos espera lá no fundo sombrio, nos nossos mergulhos de autoconhecimento? Melhor ficar na superfície, que é mais clara e tranquila.
*
Junto com a frase anotada anos atrás há outra, também para me lembrar de uma ideia para crônica. A frase é: "O abacaxi é fruta a contragosto". Mas esta eu não tenho a menor ideia do que queria dizer.

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,sem-intimidades,1130947,0.htm

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Presentes de hoje. Para brindarmos, "O sol" de Arnaldo Antunes

Nessa época o sol é mais frio
Porque ele se divide em mil
Mas para lá de janeiro
Ele volta a ficar inteiro

Agora o sol parece uma laranja madura
Porque ele está sem pintura
Mas quando entra março
Parece a cara de um palhaço

Tem dias que o sol vai embora
Tem noites que não tem aurora
Às vezes ele fica no Japão
E só volta quando chega o verão

Agora que o sol está bravo
Parece uma moeda de um centavo
Mas quando se alegra, o sol
Fica maior que uma bola de futebol

O sol está brilhando muito claro
Porque hoje é seu aniversário
Nesses dias ele quase cega
E quem é cego quase enxerga

O sol está sempre ali no céu
A terra é que faz o carrossel
De noite o sol apaga sua chama
E dorme debaixo da minha cama


Fonte: http://letras.mus.br/arnaldo-antunes/91709/

Neste dia: Parabéns pra você, de Marisa Monte.

Parabéns pra você
Obrigada por ser
Já guardei tantas coisas
Que eu quis lhe dizer
Vou dizer tudo agora

Eu espero em Deus
Que abençoe você
Para Ter tudo dê
Fará bem pra você
Bote tudo pra fora
Traga as estrelas inteiras para a banheira
Agradecê-las e ser uma

Alga dá, prata dá
E tudo intui em seu lugar
E que tudo em plena beleza esteja

Uh, uh...
Tão bom te Ter Algodão doce você
Tão bom te Ter
Tão bom viver


Fonte: http://letras.mus.br/marisa-monte/432127/

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Em cartaz: A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS.

"A Menina Que Roubava Livros": uma adaptação fiel para agradar a todos os gostos

Antes de começar esse texto, eu já gostaria de deixar uma coisa bem clara: sou exigente com adaptações. Sempre que leio um livro, e, principalmente, quando gosto muito dele, vou para o cinema assistir à respectiva adaptação com mais temor que empolgação. E eu amei A Menina Que Roubava Livros, lançado em 2006 por Markus Zusak. Um tanto quanto exótico, o livro é narrado por ninguém menos que a própria Morte, e conta a história de Liesel Meminger, uma menina que cresceu na Alemanha nazista, e que encontrava na sua paixão pela literatura forças para conservar sua alegria e suas esperanças. O sucesso mundial do livro prova que a narrativa extremamente original, a história emocionante (confesso, chorei mais de uma vez enquanto lia) e os personagens, um mais bem construído que o outro, conquistaram mesmo o público. E foi por todo esse histórico que eu levei comigo um pouco de medo ao ir ao cinema assistir A Menina Que Roubava Livros, agora um filme.
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Mas confesso: adorei. Brian Percival, o diretor, é mais conhecido por trabalhos na TV, como Downton Abbey. O roteirista, Michael Petroni, já trabalhou em um filme de As Crônicas de Nárnia. E os dois se uniram para criar uma adaptação fiel, onde todos os personagens e pontos importantes citados no livro estão presentes e conectados. As mudanças são bem poucas, sem chegar a incomodar os fãs da obra de Zusak; e, ao mesmo tempo, a história e o elenco competente cativam mesmo os “novatos”, recém apresentados a Liesel e seu universo. Ao longo de todo o filme, foi possível ouvir discretas fungadas, de gente chorando ao se emocionar com as passagens mais tocantes. E, claro, os momentos divertidos também rendiam suas risadas.
Liesel é interpretada pela ainda pouco conhecida Sophie Nélisse, que convence no papel – assim como Nico Liersch, que recria com perfeição o vizinho e melhor amigo de Liesel, Rudy. Se o elenco jovem cumpre sua missão sem deixar nada a desejar, o adulto merece nada menos que palmas: Geoffrey Rush encarna Hans Hubermann, o carinhoso pai adotivo de Liesel; e Emily Watson é sua durona esposa Rosa – grande parte das cenas que arrancam lágrimas do público podem ser creditadas aos dois. A fotografia, linda, lembra os ares surreais com que as cores do mundo são descritas no livro: uma Alemanha monocromática, dominada pelo ódio e pela neve (a única exceção é o vermelho da bandeira nazista); colorida apenas por raros momentos de alegria, como a conversa de Liesel e Rudy em um bosque florido e ensolarado. E a trilha sonora, composta por John Williams, dá o tom de “quase-conto-de-fadas” que a história, narrada pela Morte e sob a perspectiva da menina Liesel, exige.
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Talvez apenas dois detalhes tenham me incomodado no filme: o primeiro é a alternância arbitrária entre os idiomas inglês e alemão, ou a frequente mistura dos dois, ou ainda o inglês falado com um sotaque alemão proposital, que chama a atenção, de um modo esquisito, desde o início do filme. O ideal, é claro, seria um filme totalmente falado em alemão, caso a história quisesse se mostrar mais realista; mas, como a mistura entre os dois idiomas foi opção do próprio Zusak, no livro mesmo, é compreensível que tenha sido mantido assim. Só causa estranheza. E o segundo é a narrativa direta da Morte, que aparece aqui e ali – desnecessária, na minha opinião. Se não é para aparecer ao longo de todo o filme, a Morte poderia ter ganhado voz apenas na introdução, ou então não ganhado voz alguma (e ganhou uma voz masculina, quando eu tinha imaginado uma vez feminina. Opinião pessoal. Fui a única?). Da forma como foi feita, a narrativa ficou um pouco desconexa; e poderia talvez ter se mantido apenas de forma indireta, como o ponto de vista através do qual o filme todo é mostrado.
De qualquer forma, a nota é bem positiva. A Menina Que Roubava Livros vale tanto para quem leu e quer ver a história contada em outro formato, quanto para quem ainda não leu e está precisando de um incentivo. Eu, se fosse você, iria assistir. Só não esqueça de levar um lencinho. 
por Marina Lopes
Itapema FM SC
Assista ao trailer do filme em http://youtu.be/J24AlOYHpVU

E depois?

Todos se preocupam com a Copa do Mundo aqui no Brasil. E depois? Quais as consequências? Dívidas? Inflação? Desemprego? Crise econômica? ELEIÇÕES???????

O arco-íris da seca anunciada

Por Ignácio Loyola de Brandão

Vinha pela rua, a empregada regava a calçada, eu disse amavelmente:
- Desculpe-me, a senhora não sabe que a água está sendo um problema?
Ah! É?
Não tem chovido, precisamos economizar a água.
Hum, hum...
E continuava sem me olhar.
A senhora ouviu o que eu disse?
Ouvi.
E...?
O senhor se meta com a sua vida.
Outro dia, cena semelhante. Um senhor atirava o jato de água contra as folhas, conduzindo-as aos bueiros. Divertia-se. Interpelei:
Por que faz isso?
O quê? O que estou fazendo para irritar o senhor?
Mudei o tom, não percebi, devia ter me exaltado.
- Primeiro, gastando água. Segundo, mandando as folhas para o bueiro, que vai entupir. E quando as chuvas chegarem vai ser aquela calamidade.
- Quem é o senhor? Fiscal?
- Não.
- Por que se preocupa com a água? Está faltando?
- Pode ser que falte, olhe a seca, o sol, o calor.
- Quando faltar o problema é meu.
Em um terceiro encontro, adverti a empregada que lavava usando motorzinho, o jato levantava poeira, folhas, galhos, tampinhas, maços de cigarros, frascos de iogurte. Nas ruas tem de tudo, jogam a torto e a direito.
Não sabe que o governo está pedindo para racionar água?
Não sei de nada.
- Com o calor, sem as chuvas, as represas estão vazias, vai dar o maior problema.
- Que represas? Do que o senhor fala?
- As represas que abastecem a cidade. A água pode acabar.
- Se acabar, meu patrão compra. Sabe quem é meu patrão?
- Não, não tenho ideia.
- Um ricão. Não se preocupe, aqui nunca vai faltar água.
A via-sacra se estendeu, porque, como diz o povinho humilde, quando "encatiço" com uma coisa, prossigo. Nova cena.
- Por que você está gastando água desse jeito, se começou a faltar?
Aqui ainda não. Quem disse que vai faltar?
Os jornais, o noticiário da televisão.
- Bobagem. Se fosse faltar, o Boechat tava mandando o pau, ele é bom. O José Paulo Andrade ia pegar no pé do prefeito. Se fosse faltar, a Sabesp ia avisar. Tudo o que vi da Sabesp foram comerciais dizendo que o litoral está limpo, saneado. O senhor pensa que está falando com um bobo? Leio, converso, sei, sou instruído, sou zelador aqui do prédio. O síndico daqui não deu nenhuma orientação, a piscina está cheia, tudo em paz. O senhor quer é pentelhar. É um missionário?
Não sou, tenho meus ataques, ainda que nesta cidade os ataques sejam perigosíssimos, você pode estar morto no minuto seguinte a uma palavra mal interpretada. Está todo mundo ouriçado, estressado, o calor abafando, antessala do inferno, os bandidos atacando, o Haddad nem se importando, o transito congestionando, o sol queimando, a chuva desaparecida. Está na hora de convocar a dança da chuva pelos índios. Uma senhora de seus 60 anos, varria cuidadosamente a calçada, apanhou o lixo num saquinho, fechou e amarrou. Fiquei olhando. Finalmente alguém consciente. Ia elogiar quando ela puxou a mangueira, abriu a torneira e começou a molhar a parede. Não resisti:
O que está fazendo?
Molhando a parede.
Para que molhar?
Não vê? É de pedra. Para esfriar, Molho três vezes ao dia.
Não devia! Não sabe que com a seca a água está a perigo?
- Só sei que faço o que me mandam fazer. O senhor não é meu patrão. Venha falar com ele. Isso é briga de grandão, não me meta, não me encha. Com esse calor, vou molhar a parede até esfriar quantas vezes eu quiser. Ou molho ou sou despedida. O problema da água não é comigo, é com o prefeito, com o governador, é com a Dilma. Vai falar com eles, já que é tão intrometido.
- Bem que queria, bem que devia, mas eles estão em campanha eleitoral. A senhora tem razão. Pena! Muita pena que todos nós não estejamos nos intrometendo, não estejamos pentelhando. Quando faltar água, vamos trazer da Bolívia, de Cuba, da Venezuela, dos países amigos...
A senhora me olhou intrigada, deu as costas, mandou o jato na parede, o sol se refletiu, formou um arco-íris lindo, as cores da seca que se anunciam, da calamidade anunciada.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-arco-iris-da-seca-anunciada,1127702,0.htm