É preciso inverter os termos. Para a tradição filosófica, os conflitos entre o Mesmo e o Outro resolvem-se pela teoria em que o Outro se reduz ao Mesmo ou, concretamente, pela comunidade do Estado em que sob o poder anônimo, ainda que inteligível, o Eu reencontra a guerra na opressão tirânica que sofre da parte da totalidade. A Ética, em que o Mesmo tem em conta o irredutível Outrem, dependeria da opinião. O esforço deste livro vai no sentido de captar no discurso uma relação não alérgica com a alteridade, descobrir nele o Desejo - onde o poder, por essência assassino do Outro, se torna, em face do Outro e "contra todo o bom senso", impossibilidade do assassínio, consideração do Outro na justiça. O nosso esforço consiste concretamente em manter, na comunidade anônima, a sociedade de Eu com outrem - linguagem e bondade. Esta relação não é pré-filosófica, porque não violenta o eu, não lhe é imposta brutalmente de fora, contra a sua vontade, ou com o seu desconhecimento como opinião; mais exatamente, é-lhe imposta, para além de toda a violência, de uma violência que o põe inteiramente em questão. A relação ética, oposta à filosofia primeira da identificação da liberdade e do poder, não é contra a verdade, dirige-se ao ser na sua exterioridade absoluta e cumpre a própria intenção que anima a caminhada para a verdade.
LEVINÁS, Emmanuel. Totalidade e Infinito. 3ª ed. Portugal, Lisboa: Edições 70, 2008, p. 34
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