Daqui a 45 dias, a Copa do Mundo vai começar no Brasil. Brasil é aquele
país da América Latina onde os estádios demoram a ficar prontos, em que
quase tudo fica mais caro do que o previsto, onde lutamos contra a
corrupção há 500 anos... mas em que ninguém é branco. Ou não deveria
ser. Ninguém é preto - ou não deveria ser. Ninguém é azul, amarelo,
verde ou vermelho. Temos todas as cores. Ou deveríamos ter.
E
hoje... todos nos chamamos Daniel Alves. Todos temos pele mulata, olhos
claros e cabelo pixaim. Todos nascemos na Bahia - com sangue negro,
branco e índio a correr pelas veias. E todos comemos a banana metafórica
lançada no chão.
Essa banana é o Brasil viajando no tempo e no
espaço. Comer o racismo e metaforicamente descomê-lo com a melhor das
ironias - é esse o Brasil moleque, o Brasil bailarino - capaz de driblar
num espaço de guardanapo, de sambar na cara do velho mundo, capaz de
superfaturar estádios, metrôs e refinarias, de produzir mensalões e
mensalinhos... mas incapaz... ou quase sempre incapaz de aceitar a
intolerância.
A intolerância nos agride mais que a corrupção. No
Brasil se fala português com açúcar - escreveu Eça de Queiroz. Somos
dóceis, somos ternos - e preferimos ser. Nossos pecados são disfarçados -
e é bom que assim seja. Desprezamos o alcagüete mais do que o
criminoso. Precisamos de leis para impedir que existam elevadores
sociais e de serviço - mas não admitimos a humilhação pública. Não
admitimos o lançamento de banana.
Podemos ser a PM subindo o morro,
podemos ser o tráfico atirando pra baixo... mas, quase sempre, somos o
beijinho no ombro, a mão que afaga aqui e afana ali - mas não a que
apedreja.
Vamos comer essa banana como Oswald de Andrade. Comê-la,
digeri-la e transformá-la. Hoje somos todos macacos. Eu, você, o Neymar,
o político, a presidente, o ministro, o empresário, o trabalhador, o
senhor, a senhora, o presidiário, o ator, o ladrão, o policial, o
bombeiro, o deputado de direita, o vereador de esquerda, o padeiro, o
gari, o motorista, o preto, o branco, o azul, o cor-de-rosa.
Somos
todos hélios de la peña - temos olhos azuis e pele negra. Somos todos
marcos palmeira, mestiços de olhos castanhos e cabelo enrolado Somos
todos preta gil, tais araújo, lázaro ramos. Somos todos giovanna
antonelli, fernandas lima, tammy gretchen. A pele que nos habita ou a
pele que habitamos não tem paradoxo.
Yes, Braguinha, nós temos
banana. E hoje, o que importa é pegar essa banana no chão. E comê-la em
vez de lançá-la de volta. É nesse pequeno momento em que dá pra
acreditar naquela musiquinha de arquibancada - sou brasileiro... com
muito orgulho... com muito amor. Porque é o humor que nos separa - é a
alegria que nos permite encarar tudo-isso-que-aí-sempre-esteve.
Daqui a 45 dias, o mundo vem ao Brasil - que por causa de um monte de
pretos e brancos e índios e mestiços chegou a 2014 como o país do
futebol. Do futebol, do samba, da caipirinha, de praias lindíssimas e
políticos nem tão belos... da corrupção, dos conchavos e doleiros e
KKKKs.
E é esse nosso dilema. Com muito orgulho, com muito amor, o
brasileiro segue sendo o narciso às avessas, capaz de cuspir em sua
própria imagem com propriedade e de se entender com outro brasileiro em
apenas uma frase:
- Brasil, né?
É - Brasil... terra onde em se
plantando... tudo dá - menos intolerância. De todas as vilezas do mundo,
o preconceito é aquele tipo de inimigo fácil de identificar e difícil
de derrotar. O rei mais conhecido deste mundo é preto, atende por Édson e
nasceu em Minas Gerais. É no altar dele que deposito meu voto e digo
aos lançadores de banana:
Mandem mais.
Mandem mais banana.
Mandem que a gente mata no peito e transforma em bananaço. Numa
bem-humorada e coletiva banana para todos aqueles que acreditam nessa
bobagem de que cor da pele faz diferença.
Em suma - esta república
federativa das bananas orgulhosamente agradece. E orgulhosamente
reconhece: sim - essa terra tem mil problemas. Mas alguma coisa - alguma
coisa a gente tem pra ensinar pra vocês - e não é futebol.
Muito obrigado pela lembrança.
Bem-vindos ao Brasil.
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