Aquilo que a ética homérica, a maneira de se pensar a estruturação
social, as relações sociais entre os exércitos fora dos muros de Tróia, esta
ética da força e da violência não comporta mais uma exigência necessária para
se viver na pólis, como algo
necessário à pólis, à cidade.
Contudo, quem vence a guerra não é o herói Aquiles, mas Ulisses, a
inteligência em pessoa, a astúcia, a enganação. Como contraponto à selvageria,
Ulisses é a personagem conceitual de um salto maior do que Aquiles, do que o cratos(poder)
e a bia(violência), sinalizando o que virá a ser a figura do sóphos,
um novo homem que não será mais Ulisses, nem Aquiles, tampouco Agamenon, mas um
homem mais sábio do que todos estes, um homem mais sábio politicamente,
personificado dramaticamente na figura de Sócrates.
Entre o VII e o V séculos a.C., a Grécia está comprometida em
elaborar uma solução para esta crise da ética e da cultura arcaicas em que se
resume de maneira muito didática, mas com uma certa tentativa de acertar na
descrição um pouco global do que está acontecendo de poesia, filosofia, teatro,
até medicina, história, nesse período. As soluções apontadas são duas: a
solução da Lei e a solução da alma. Pela construção da cidade, se dá a solução
da lei. Pela construção de um indivíduo, da alma, se dá a solução da Filosofia.
Sócrates, personagem histórico central da filosofia platônica, de
fato, revoluciona o modo de se viver na cidade que agora vem afirmado pela
ética e pela obediência às leis. É um movimento simultâneo de transformação que
vai do individual para o coletivo, para a cidade. Viver virtuosamente na pólis é isso. À medida que construo a
mim mesmo, construo também uma nova cidade, e assim por diante. Esta posição
revoluciona o modo de se fazer política e o próprio cuidado de si. “É evidente
que, se a essência do homem é a alma, cuidar de si mesmo significa cuidar da
própria alma mais do que do corpo. E ensinar os homens a cuidarem da própria
alma é a tarefa suprema do educador, precisamente a tarefa que Sócrates
considera ter recebido de deus, como se lê na Apologia: 'Que é isto(...) é
a ordem de deus. E estou persuadido de que não há para vós maior bem na cidade
do que esta minha obediência a Deus. Na verdade, não é outra coisa o que faço
nestas minhas andanças a não ser persuadir a vós, jovens e velhos, de que não
deveis cuidar do corpo, nem das riquezas, nem de qualquer outra coisa antes e
mais do que a alma, de modo que ela se torne ótima e virtuosíssima, e de que
não é das riquezas que nasce a virtude, mas da virtude que nasce a riqueza e
todas as outras coisas que são bens para os homens, tanto individualmente para
os cidadãos como para o Estado'”(in REALE, Giovanni. História da
filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulinas, 1990, p. 88). A
partir disso, instaura-se uma nova paideia.
Mostra-se
aí também a função do sóphos de que
nos falava Platão, pois, encontrando-se com Sócrates, a pessoa encontrava-se
com um sábio que nos leva a descobrir o nosso valor interior, o valor da alma.
Foi assim com Platão ao encontrá-lo. Ao ver Sócrates pela primeira vez como um
dos grandes acontecimentos de sua mocidade, Platão se envolve com seus
discursos, presencia sua condenação e morte, marcando-o por toda a vida, de
modo a inspirar os seus escritos.
“Enquanto se
preparava para participar de um concurso de tragédias, ouviu Sócrates em frente
ao teatro de Dionísio, e então jogou os poemas, dizendo: ‘Efesto!, avança
assim, Platão precisa de ti!’ Dizem que a partir de então, aos 20 anos,
tornou-se discípulo de Sócrates” (D.L. 3.5-6).
Sócrates se baseia no encontro com as pessoas em Atenas para fluir
suas ideias. A função do sábio não é tanto a de ensinar coisas, também claro,
como o faz Sócrates publicamente, mas sobretudo de ajudar as pessoas na
descoberta da verdade. O encontro com Sócrates tornava-se possível e mais fácil
o encontro com a própria verdade presente em nós. A função do sábio, na minha
opinião, é a de facilitar a experiência da verdade. Portanto, o valor de
Sócrates se manifesta em dois níveis: no nível do conhecimento da verdade e no
nível da responsabilidade moral com esta própria verdade. Sua filosofia nos
abre a possibilidade de descobrir o sentido da alma e, com isso, pautar uma
transformação política da cidade.
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em
Teologia e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB em parceria com Archai
Unesco.
Olá, eu acompanho seu blog já faz algumas semanas, me interessei por filosofia há pouco tempo e gostaria de fazer-lhe uma pergunta: Se dizem que Sócrates é o pai da filosofia, por que tem os filósofos pré-socráticos ?
ResponderExcluirSe puder responder agradeço.
Abraços
Ezequiel Domingues dos Santos
Grato pela visita, aprecie sempre que puder. Obrigado e seja bem-vindo.
ResponderExcluirEzequiel, boa pergunta. Penso que Sócrates foi um divisor de águas na história da Filosofia porque, com ele, a Filosofia jamais será a mesma. Ele não fez perguntas e tampouco conversou somente sobre a cosmologia. Ele conversou com os cidadãos da pólis ateniense sobre questões antropológicas, humanas, como a justiça, a alma(eu,homem), a política(cidade), a beleza, as virtudes, enfim. Com ele, a Filosofia dá um salto de qualidade da cosmologia para a antropologia. Daí, certamente, venha a ser considerado o Pai da Filosofia, uma vez que seu foco é conversar com outros sobre assuntos humanos e políticos. Veja que ele também dá um status ético à Filosofia.
Att,
Jackislandy