Se tem um tema que realmente demanda muita “metafísica” e nos
joga para dentro do drama da existência humana, esse tema é a morte. Essa
desconhecida costuma deixar cicatrizes profundas na história e mais ainda na
consciência individual e coletiva de todos nós, mas também é capaz de produzir
um intenso movimento a favor da vida, quando não, ao menos nos faz refletir e a
parar diante dela.
Muitos acidentes de trânsito, tragédias difíceis de apagar,
certamente levaram pessoas abnegadas a defender regras mais eficazes de
promoção da segurança nas estradas. Assassinatos, homicídios, guerras e
catástrofes acabam transformando nossas vidas e até mudando nossos
comportamentos a cada momento. Tornamo-nos piores ou melhores, porém alguma
coisa muda, alguma coisa sai de lugar com a morte. A morte dá uma guinada na
vida da gente.
Por causa da morte do seringueiro Chico Mendes, defensor
político dos interesses dos trabalhadores do Estado do Amazonas e contra a
exploração irracional da floresta, muitos saíram de suas casas e levantaram a
bandeira de luta social e política a favor do meio ambiente, a favor da vida e
da desconstrução social. Não é tão diferente com o impacto causado pela morte
de centenas de estudantes e trabalhadores cidadãos na época da ditadura militar
perseguidos pela censura e pelo cerceamento dos direitos civis. Quem não lembra
da revolução que a F1, campeonato de automobilismo, sofreu em virtude da morte
de Ayrton Senna! Os EUA ainda não superaram o trauma criado pela morte das
quase três mil pessoas, vítimas dos ataques às torres gêmeas em setembro de
2001!
Curioso, mas ainda hoje, depois de mais de sessenta e cinco anos
não nos esquecemos da segunda guerra mundial, das bombas atômicas em Hiroshima e
Nagasaki, dos campos de concentração, da morte em massa de mais de seis milhões
de judeus. Ora, não sai de nossa memória, após 2013 anos, a morte cruel e
brutal de um judeu, Jesus, o tradicional filho do carpinteiro, o Galileu. Como
todas as outras, mas, sobretudo, com esta, temos muito o que aprender: Aceitar
a morte, uma vez que é a nossa própria condição humana; além disso, vencê-la;
atravessar e ser atravessado por ela, de modo a refletir uma vida justa,
honesta e corajosa.
O filósofo francês Jean Paul Sartre, em vida e mesmo após a sua
morte, nos deixou um legado praticamente universal, por isso não menos
existencial, de que somos condenados à liberdade. Na mesma proporção e talvez
mais contundente ainda, essa condenação possa servir para o dado da morte.
Somos também condenados à morte porque somos humanos. Parece óbvio, mas basta
nascermos, basta estarmos vivos para morrermos.
Ao nos remetermos para o contexto da velhice do Rei Salomão,
muitíssimo experimentado em anos, vemos uma corajosa forma de encarar a
morte/vida, sacudindo de nós a poeira da vaidade, pois não passamos de pó e
cinza. Pensar a morte é encarar a vida com tudo o que ela significa na visão do
autor do livro bíblico do Eclesiastes, é saber-se insuficiente,
impregnado de vitalidade, é transformar-se em um homem de verdade: “Não te
apresses em abrir a boca; que teu coração não se apresse em proferir palavras
diante de Deus, porque Deus está no céu, e tu na terra; que tuas palavras
sejam, portanto, pouco numerosas. Porque as muitas ocupações geram sonhos, e a
torrente de palavras faz nascer resoluções insensatas” (5.1-2).
Fica a pergunta: Sabendo que vamos morrer, e isso não nos
escapa, ainda assim nos envaidecemos, como agiríamos, então, acaso não
soubéssemos que morreríamos?
Vale aprender do koheleth, como é conhecido o livro do Eclesiastes em hebraico: “[Lembra-te
do teu Criador] antes que se quebre a cadeia de prata, e se despedace o copo de
ouro, e se despedace o cântaro junto à fonte, e se despedace a roda junto ao
poço, e o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu” (12.
6,7).
Prof.
Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel.
em Teologia, Licenciado em Filosofia/UERN, Esp. em Metafísica/UFRN e Esp. em
Estudos Clássicos UnB/Archai/Unesco.
www.twitter.com/filoflorania