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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O desejo político de Platão

Algumas informações essenciais que fruem da Carta VII, provavelmente uma autobiografia platônica escrita de próprio punho ou de autoria de um amigo muito próximo, Espeusipo, são histórica e filosoficamente pertinentes para entendermos o envolvimento político de Platão com o seu tempo, sobretudo, após a morte de seu valoroso mestre, Sócrates.
Nota-se uma propensão inicial para a atividade política, absolutamente normal num jovem ateniense do séc V a.C., nascido numa família de elevada condição social e de evidente vocação política que continha personagens importantes, como os tios Pirilampo(de parte pericleia), Crítias e Cármides(que se destacariam no regime dos Trinta Tiranos): "Quando era jovem, partilhei uma paixão comum a muitos jovens: assim que alcançasse a minha independência, queria entrar na vida política da cidade"(324b).
A convicção, adquirida depois destas experiências, da impossibilidade de uma intervenção pessoal nas vicissitudes políticas atenienses, e da extrema dificuldade em encontrar 'amigos' decididos a comprometerem-se em uma obra radicalmente reformadora, embora "continue a aguardar sempre o momento oportuno para a ação":

"No final, apercebi-me de que todas as cidades de hoje são mal governadas(o seu sistema legislativo é praticamente incurável a não ser que se lhe dediquem extraordinários preparativos acompanhados de fortuna). E fui obrigado a dizer, elogiando a autêntica filosofia, que só ela consente que se identifiquem todas as formas de justiça, no âmbito quer da vida política, quer da pessoal: as gerações humanas não serão libertadas dos seus males enquanto aquele tipo de homens que praticam a filosofia de modo autêntico e verdadeiro não chegarem ao poder político, ou aqueles que governam as cidades, por uma qualquer sorte divina, não começarem a praticá-la(326a-b).

Cf. VEGETTI, Mario. Um paradigma no céu. Platão político, de Aristóteles ao século XX. São Paulo: Annablume, 2010, p. 28-29

Os "ratos" e os "queijos"

“ANTIGAMENTE, lá em Minas, a política era coisa séria. Havia dois partidos com nome registrado, programa de governo e tudo mais. Mas não era isso que entusiasmava os eleitores. Eles não sabiam direito o nome do seu partido nem se interessavam pelo programa de governo. O que fazia o sangue ferver era o nome do bicho e correlatos por que seu partido era conhecido.
          Em Lavras, os partidos eram os “Gaviões” e as “Rolinhas”. Em Dores da Boa Esperança, onde nasci, eram os “Ratos” e os “Queijos”. Os nomes diziam tudo. Ratos querem mesmo é comer o queijo. E o queijo quer mesmo é se colocar de isca na ratoeira para pegar o rato.
          (…) Como já disse, os eleitores nada sabiam dos programas de governo nem prestavam atenção nas promessas que eram feitas pelos chefões. Sua relação com seus partidos não era ideológica. Nada tinha a ver com a inteligência. Eles já sabiam que política não se faz com razão. Ganha não é quem tem razão. Ganha quem provoca paixão. O entusiasmo que tomava conta deles era igualzinho ao entusiasmo que toma conta do torcedor no campo. (…) Naqueles tempos o entusiasmo não vinha nem da ideologia nem do caráter dos coronéis. O que fazia o sangue ferver era o símbolo: “Eu sou Rato”, Eu sou Queijo”.
          Corria o boato de que coronel Sigismundo, fazendeiro, chefe dos "Ratos", usava jagunços para matar seus desafetos. Não surtia efeito. Era mentira deslavada dos "Queijos". Corria o boato de que o doutor Alberto, médico rico, chefe dos "Queijos", praticava a agiotagem. Mentira deslavada dos "Ratos". Os chefões, na cabeça dos eleitores, eram semideuses, padrinhos, sempre inocentes. O que dava o entusiasmo era o campeonato. Quem ganharia? Os "Ratos" ou os "Queijos"? Quem ganhasse a eleição seria o campeão, dono do poder, nomeações dos afilhados, até a próxima...
          Mais de oitenta anos se passaram. Os nomes são outros. Mas nada mudou. Política é a mesma paixão pelo futebol decidindo o destino do país. Os torcedores se preparam para a finalíssima entre os “Ratos” e os “Queijos”. É como era na cidadezinha de Dores da Boa Esperança, onde nasci 73 anos atrás....

ALVES, Rubem. Os “Ratos” e os “Queijos”… Folha de São Paulo, 19 de set. 2006 apud TOMAZI, N. Dacio. Sociologia para o Ensino Médio. Atual Editora São Paulo, 2007

A educação básica cabe no município? - Renato Janine Ribeiro

As eleições deste ano devem nos levar a discutir uma prioridade constitucional dos municípios, a educação. Esta é a sexta eleição de prefeitos e vereadores sob a Constituição de 1988, que deu ao município a atribuição de zelar pela educação básica, tendo os Estados como parceiros e a União... ela, bem ao longe. É hora de cobrar duas questões dos candidatos: o que propõem para o nível de educação mais relevante que há, o inicial, que forma as crianças e define boa parte de seu futuro? E se até agora esses gestores não deram conta de melhorar a educação fundamental e o ensino médio, darão um dia? Será o caso de pensar seriamente na proposta do ex-senador Cristovam Buarque - ex-ministro da Educação, verdadeira usina de ideias - que diz que a educação básica, importante que é, tem de ser federalizada?

O assunto não é dos mais populares. Perde, nas campanhas eleitorais, para a saúde. Qualquer um sabe que está doente. Mas só quem tem educação sabe o que é a educação falha. Quem mais precisa dela não percebe o quanto precisa. As famílias não se comprometem com ela. A educação faz parte dos assuntos, como a ética, que não lotam a avenida Paulista. Isso tem que mudar.

O constituinte pensou que, aproximando a educação básica do cidadão, nos municípios, aumentaria o controle popular sobre ela. Engano. Tanto que o governo federal, apesar de incumbido essencialmente do ensino superior, é quem tem posto dinheiro e ferramentas para melhorar a básica. A União hoje é o ator decisivo na educação. O Indicador de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), aliás, mostra que os primeiros anos de escolaridade obrigatória têm avançado mais que o previsto (ver tabela abaixo). Numa escala que vai até dez, a meta é chegar em 15 anos ao nível dos países desenvolvidos em 2005, que era nota 6. Não é fácil avançar vários pontos, consistentemente, ano a ano. Mas em 2011 se pretendia 4,6, e o Brasil chegou a 5. Só anda mais devagar o ensino privado (que subiu para 6,5 em vez de 6,6), mas este já começou no mesmo patamar de nota que os países da OCDE.

A nota no Ideb mede o desempenho e, assim, induz políticas de longo fôlego. Mas os professores também precisam de um projeto de longo prazo. Quantos professores há na educação básica? Segundo o Inep, em 2011 havia 2,045 milhões de funções docentes na educação básica - mas o dado é de funções, não de docentes, porque há quem trabalha em dois lugares. Já quando os separamos por dependência administrativa, isto é, por quem lhes paga o salário, o número sobe a 2,26 milhões, porque a mesma pessoa pode dar aula no setor público e no privado. Quase 46% lecionam nas redes municipais, 32% nas estaduais, 21% na área privada e menos de 1% nas unidades federais. Temos 2 milhões de professores. Que metas devemos ter em relação a eles?

Seria impossível dar a todos um aumento único e de impacto, já. A proposta ambiciosa, mas viável, seria criar uma carreira para 3 milhões de professores em sala de aula - ao longo de 20 anos. O ideal é uma carreira federal: ou se federaliza a educação mudando-se a Constituição, ou a União coloca dinheiro e cobra em qualidade alta. Por exemplo, o professor começaria recebendo R$ 3 mil e teria um plano de carreira factível, que aumentaria gradualmente seu salário, levando em conta só o seu desempenho. Seriam realizados concursos regulares de provimento de cargos, contratando 150 mil novos docentes por ano. Os atuais professores poderiam concorrer a eles, em igualdade de condições com qualquer pessoa. A seleção se faria apenas por conhecimento da matéria e capacidade de lecionar, os critérios essenciais. Assim, conviveriam por um tempo os professores da carreira federal, com um bom selo de qualidade, e docentes sem a mesma qualificação, mas que manteriam seus direitos até se aposentarem e que poderiam disputar a nova carreira, com as vantagens que esta daria.

Assim entendo a proposta Cristovam. A seleção dos novos se daria em todas as disciplinas, renovando integralmente o sistema escola por escola, criando assim ambientes mais qualificados de ensino. A renovação beneficiaria todas as classes sociais, na proporção que têm na sociedade, o que implica atender à classe média e mesmo à rica, mas sobretudo à multidão dos bairros pobres e periféricos. Para promover a inclusão social, é mais eficiente do que as cotas. Mas para funcionar isso exigirá ações integradas, inclusive no plano dos transportes, construções e segurança pública.

A proposta fixa parâmetros claros. Não se melhora a educação sem bons salários - nisso têm razão os sindicatos. Mas não basta subir os salários para os professores se tornarem bons - nisso têm razão os pesquisadores críticos ao mundo sindical. O que fazer? Unir as duas perspectivas. Aumentar os salários em função do desempenho. Mas, sobretudo, definir metas num prazo factível. Isso é melhor do que simplesmente subir para 10%, sem contrapartidas ou avaliação da qualidade, o dinheiro investido na educação.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

VALOR ECONÔMICO
03/09/2012 

A casquinha de sorvete - Frei Betto

Você conhece a casquinha abiscoitada de sorvete: a bola é colocada acima e, enquanto derrete, um pouco do sorvete se espalha pela parte inferior. Ao comer a casca, a ponta inferior do cone costuma estar seca, sem sorvete.

Assim é a distribuição da riqueza no mundo, segundo a ONU: 20% da população mundial, o equivalente a 1,320 bilhão de pessoas, concentram em suas mãos 82% da riqueza mundial. Fartam-se com a bola de sorvete. Na ponta estreita do cone, os mais pobres — 1 bilhão de pessoas — sobrevivem com apenas 1,4% da riqueza mundial.

Mede-se o indicador de riqueza de uma economia pelo PIB — o Produto Interno Bruto. Quanto maior o PIB, maior o crescimento de um país. Tanto que o governo Lula lançou o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Deveria ter lançado o Pads (Programa de Aceleração do Desenvolvimento Sustentável).

Um país cresce quando sua economia total ganha mais cifrões. O que não significa que se desenvolveu, ou seja, imprimiu mais qualidade de vida e felicidade à população. Crescimento tem a ver com produção agropecuária, industrial e expansão da rede de serviços. Desenvolvimento significa escolaridade, saúde, saneamento, moradia, cultura e preservação do meio ambiente.

O economista Ladislau Dowbor, da PUC-SP, tem bom exemplo para mostrar a diferença: a Pastoral da Criança favorece, com a sua rede de 450 mil voluntários, milhares de crianças até 6 anos de idade. Assim, contribui com a redução de 50% dos índices de mortalidade infantil e 80% das hospitalizações. Se menos crianças adoecem, menos medicamentos são comprados, menos serviços hospitalares são utilizados, e as famílias vivem mais felizes.

Ótimo, não? Não para o governo e os economistas com mania de PIB. “O resultado, do ponto de vista das contas econômicas, é completamente diferente: ao cair o consumo de medicamentos, o uso de ambulâncias, de hospitais e de horas trabalhadas por médicos, reduz-se também o PIB”, afirma Dowbor. Ao obter saúde com um gasto de apenas R$ 1,70 por criança/mês, a Pastoral da Criança faz cair o PIB. Porém, sobe a felicidade geral da nação.

Comemorar o crescimento do PIB não significa o país estar na direção certa. Vide a China, cujo PIB é o que mais cresce no mundo. Nem por isso a qualidade de vida de sua população nos causa inveja. Se o desmatamento da Amazônia — careca, hoje, em 17% de sua área total — aumenta, mais se introduzem ali o agronegócio e imensos rebanhos. O que fará crescer o PIB. E reduzir o equilíbrio ambiental e a nossa qualidade de vida.

O problema número 1 do mundo não é econômico, é ético. Perdemos a visão de bem comum, de povo, de nação, de civilização. O capitalismo infundiu-nos a perversa noção de que acúmulo de riqueza é direito, e consumo de supérfluo, necessidade.

Compare estes dados: segundo a ONU, para propiciar educação básica a todas as crianças do mundo seria preciso investir, hoje, US$ 6 bilhões. Apenas nos EUA são gastos por ano, em cosméticos, US$ 8 bilhões. Água e saneamento básico seriam garantidos a toda a população mundial com um investimento de US$ 9 bilhões.

O consumo/ano de sorvetes na Europa representa o desembolso de US$ 11 bilhões. Haveria saúde básica e boa nutrição às crianças dos países em desenvolvimento se fossem investidos US$ 13 bilhões. Ora, US$ 17 bilhões é o que se gasta por ano, na Europa e nos EUA, em alimentos para cães e gatos; US$ 50 bilhões em cigarros na Europa; US$ 105 bilhões em bebidas alcoólicas na Europa; US$ 400 bilhões em narcóticos no mundo; e US$ 780 bilhões em armas e equipamentos bélicos no planeta.

O mundo e a crise que o afeta têm sim solução. Desde que os países sejam governados por políticos centrados em outros paradigmas, que fujam do cassino global da acumulação privada e da irrefreável espiral do lucro. Paradigmas altruístas, centrados na distribuição de renda, na preservação ambiental e na partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano.

Preste muita atenção nos candidatos que, este ano, merecerão o seu voto a vereador e a prefeito. Investigue o passado deles para saber com quem, de fato, estão comprometidos.

Ah, você não gosta de política? Não seja ingênuo: quem não gosta de política é governado por quem gosta. E tudo que os políticos corruptos querem é que sua omissão assegure a perpetuação deles no poder.


CORREIO BRAZILIENSE
07/09/2012 

Quanto narcisismo!

Uma certa dose de autoestima faz bem a qualquer ego.

sábado, 1 de setembro de 2012

‘NELSON FEZ FAXINA NA LITERATURA E NO TEATRO’



O tema foi “O encontro de Nelson Rodrigues e Arnaldo Jabor” na palestra, anteontem, no Polo de Pensamento Contemporâneo, no Jardim Botânico. Trechos da conversa de Jabor:

“Antigamente as pessoas liam com 14 anos. Aos 18, eu era do CPOR, da cavalaria, junto com o Jofre. Nelson ia buscar o filho e eu pegava carona com eles. Foi quando o conheci.”

“Quando eu falava de política, ele ficava largamente entediado. 'Jabor, para com isso'.”

“Nelson estaria achando estranho todas essas homenagens de centenário. Ele não era solene, não era o caminho dele. Por todo o seu minimalismo, pela sua destruição de excessos, Nelson não pode ser visto como um gênio tradicional, de uma maneira solene.”

“Ele é um dos maiores dramaturgos brasileiros de todos os tempos, mas o Nelson, mesmo assim, ainda é um pouco jogado para escanteio pelos cânones do teatro.”

“Ele não conhecia as normas de qualidade estética que se esperava. E é essa uma grande importância dele. Ter construído a sua obra através de uma certa ignorância.”

“Ele nunca leu muito. Sua formação foi a do jornalismo policial, muito factual. Ele trabalhava com as coisas mais banais do cotidiano. Via poesia nas coisas menos interessantes. Transformava o irrelevante em relevante.”

“Ele pedia água Lindoya só porque gostava do nome. Dizia: 'Que água bonita'.” “Nelson citava muito Deus. Dizia: ‘Se Deus me perguntar se eu fiz um bom trabalho, vou responder: ‘Valeu, Senhor! Acho que inventei o óbvio’.”

“Era um homem antimetáforas. Nunca procurava o sublime. Dizia: ‘Ela dava gargalhadas como uma bruxa de livro infantil’.”

“O Nelson é sempre associado com a sacanagem e a pornografia, mas só há um palavrão na obra dele, no segundo ato de 'Bonitinha mas ordinária'. Ele não tinha uma visão moderna da mulher, não gostava de mulher que falava palavrão.”

“Nelson me dizia que literatura é como jogo de futebol, e que o problema é que nenhum escritor brasileiro sabia bater escanteio."

“Odiava alegorias. Tirou a pose da literatura Brasileira. Queria dar sentido claro para as coisas. Ele secou a literatura dos seus excessos e adjetivos. Um faxineiro da literatura e do teatro.”

“Odiava quando Guimarães Rosa era chamado de gênio. Quando ele morreu, sentiu um alívio e foi para a janela fumar. Implicava com Fernando Pessoa. Desculpe, mas eu também.”

“Falávamos ao telefone todos os dias. Nelson não dormia bem. Ficava até tarde ouvindo ópera. Quando estava filmando 'Tudo bem' e ele me ligava às 3h da manhã, me chamava de burguês quando via que eu estava dormindo.”

“Nelson nunca saiu do país. No máximo foi até São Paulo. E dizia: 'Se eu passo 15 minutos do Méier já me sinto no exterior'. Ele tinha a apreensão do comportamento urbano carioca e brasileiro. Essa é maior importância dele.”




O GLOBO
31/08/2012