domingo, 28 de setembro de 2014

A CORAGEM COMO SABER


Muitas pessoas que foram à guerra e se colocaram nas linhas de frente dos campos de batalha, certamente, experimentaram a coragem hercúlea de lutar contra seus inimigos na iminência de perder a própria vida. Os antigos lutavam com a proposta de perpetuar o nome. A coragem de trocar uma vida longa pela glória aos seus pósteros nas fileiras de batalha era algo muito comum a exemplo de heróis como Aquiles, Heitor, Agamenon, Ulisses.   
Com o crescimento das cidades-estados; o intenso comércio pelo mar; a entrada do diálogo nos negócios administrativos, a coragem assume um significado outro, diverso. Ser corajoso não implica mais ficar postado na guerra frente ao inimigo, mas, como dirá Platão, no diálogo Laques, "Da coragem", fugir ou se for o caso mesclar fuga e perseguição ou até virar as costas ao inimigo. (Cf. Laques 191b).
O conceito coragem em Platão ganha um salto de qualidade na medida em que vem entendido numa perspectiva ética. O esforço por uma definição acurada da coragem leva Platão a afirmar, conversando com Laques: "E dos corajosos não só em atuação na guerra, mas igualmente diante dos perigos do mar e aqueles que demonstram coragem diante da doença e da pobreza, ou inclusive nos negócios do Estado" (Laques, 191d).                                                                                                         A “bia” (violência) e o ágon (luta) gregos representavam o modelo de vida de um mundo fechado em seu destino cosmológico, físico, que iam dando lugar a um novo modelo de apelo, desta vez espiritual, ético e humano, antropológico mesmo. A personagem Sócrates nas cidades irá confrontar o mundo com as exigências de sua alma. Assim o faz com a coragem.   
O apelo ético sobre a coragem se materializa mais ainda no discurso filosófico de Platão: "Todos os que se limitam a serem corajosos diante da dor ou do medo, mas que também têm competência para lutar contra os desejos e os prazeres, quer mantendo seus postos, quer dando as costas para o inimigo" (Laques, 191e). Platão parece advogar, através das palavras de Sócrates, um sentido de coragem voltado para a resistência. Mas nem toda resistência, só a nobre e sábia: “E dirias que a resistência unida à sabedoria é algo nobre e bom” (Laques, 192c).  
Por isso, a coragem é uma espécie de saber. Portanto, como diz o provérbio, é verdade que não se trata de algo que qualquer porco conheceria, de forma que um porco não seria corajoso. (cf. Laques, 196d).                                                                                                                                                    Assim como qualquer virtude humana, também a coragem é difícil de definir. As interrogações desconcertantes de Sócrates para clarear nossa compreensão acerca da coragem são simplesmente edificantes. Ao utilizar o conceito de “resistência” para aproximar-nos da definição do problema coragem, Sócrates acrescenta dados presentes em sua filosofia: “conhece-te a ti mesmo” e “meden agan”. Não é uma resistência tola, mas uma resistência digna, honesta, moderada, justa, boa. Este é um novo modelo de coragem. Uma coragem que seja sábia.                                                                 A coragem hoje está muito mais associada ao cotidiano, aos aspectos motivacionais e econômicos. Colamos na ideia de coragem uma outra indispensável para os nossos dias, trabalho. Dizemos: “coragem”; “trabalhe”. A coragem não é vista necessariamente como uma virtude honrosa, uma vez que vem assumida como atitude desprovida de ética. Sabedoria e ética não são mais critérios para ser corajoso. Cada um resiste ao que pode, deve ou quer. Dever, querer e poder sem limites trazem à baila os prazeres em excesso.  
                                                                          
Jackislandy M. M. Silva, professor e filósofo.



                                

Fotos no Facebook

domingo, 28 de setembro de 2014

A CORAGEM COMO SABER


Muitas pessoas que foram à guerra e se colocaram nas linhas de frente dos campos de batalha, certamente, experimentaram a coragem hercúlea de lutar contra seus inimigos na iminência de perder a própria vida. Os antigos lutavam com a proposta de perpetuar o nome. A coragem de trocar uma vida longa pela glória aos seus pósteros nas fileiras de batalha era algo muito comum a exemplo de heróis como Aquiles, Heitor, Agamenon, Ulisses.   
Com o crescimento das cidades-estados; o intenso comércio pelo mar; a entrada do diálogo nos negócios administrativos, a coragem assume um significado outro, diverso. Ser corajoso não implica mais ficar postado na guerra frente ao inimigo, mas, como dirá Platão, no diálogo Laques, "Da coragem", fugir ou se for o caso mesclar fuga e perseguição ou até virar as costas ao inimigo. (Cf. Laques 191b).
O conceito coragem em Platão ganha um salto de qualidade na medida em que vem entendido numa perspectiva ética. O esforço por uma definição acurada da coragem leva Platão a afirmar, conversando com Laques: "E dos corajosos não só em atuação na guerra, mas igualmente diante dos perigos do mar e aqueles que demonstram coragem diante da doença e da pobreza, ou inclusive nos negócios do Estado" (Laques, 191d).                                                                                                         A “bia” (violência) e o ágon (luta) gregos representavam o modelo de vida de um mundo fechado em seu destino cosmológico, físico, que iam dando lugar a um novo modelo de apelo, desta vez espiritual, ético e humano, antropológico mesmo. A personagem Sócrates nas cidades irá confrontar o mundo com as exigências de sua alma. Assim o faz com a coragem.   
O apelo ético sobre a coragem se materializa mais ainda no discurso filosófico de Platão: "Todos os que se limitam a serem corajosos diante da dor ou do medo, mas que também têm competência para lutar contra os desejos e os prazeres, quer mantendo seus postos, quer dando as costas para o inimigo" (Laques, 191e). Platão parece advogar, através das palavras de Sócrates, um sentido de coragem voltado para a resistência. Mas nem toda resistência, só a nobre e sábia: “E dirias que a resistência unida à sabedoria é algo nobre e bom” (Laques, 192c).  
Por isso, a coragem é uma espécie de saber. Portanto, como diz o provérbio, é verdade que não se trata de algo que qualquer porco conheceria, de forma que um porco não seria corajoso. (cf. Laques, 196d).                                                                                                                                                    Assim como qualquer virtude humana, também a coragem é difícil de definir. As interrogações desconcertantes de Sócrates para clarear nossa compreensão acerca da coragem são simplesmente edificantes. Ao utilizar o conceito de “resistência” para aproximar-nos da definição do problema coragem, Sócrates acrescenta dados presentes em sua filosofia: “conhece-te a ti mesmo” e “meden agan”. Não é uma resistência tola, mas uma resistência digna, honesta, moderada, justa, boa. Este é um novo modelo de coragem. Uma coragem que seja sábia.                                                                 A coragem hoje está muito mais associada ao cotidiano, aos aspectos motivacionais e econômicos. Colamos na ideia de coragem uma outra indispensável para os nossos dias, trabalho. Dizemos: “coragem”; “trabalhe”. A coragem não é vista necessariamente como uma virtude honrosa, uma vez que vem assumida como atitude desprovida de ética. Sabedoria e ética não são mais critérios para ser corajoso. Cada um resiste ao que pode, deve ou quer. Dever, querer e poder sem limites trazem à baila os prazeres em excesso.  
                                                                          
Jackislandy M. M. Silva, professor e filósofo.



                                

Atividade no Facebook

Mais vistas: